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29 de set. de 2015

Uma boa análise sobre o fatiamento da Lava Jato




Este excelente artigo de Hélio Schwartsman, publicado hoje, na Folha de São Paulo, sintetiza bem o que penso sobre o "fatiamento" da operação Lava Jato:  


HÉLIO SCHWARTSMAN

As fatias e a pizza

SÃO PAULO - A decisão do STF de, vá lá, fatiar a operação Lava Jato me parece mais uma oportunidade do que um convite à pizza. É claro que a dispersão das investigações envolve riscos e quase certamente resultará em alguma perda de eficiência, mas não podemos perder de vista o "big picture", isto é, o quadro geral.

O único aspecto positivo da crise é que as instituições, em especial as engrenagens da Justiça, estão se mostrando à altura da tarefa. Caso me perguntassem, na virada do milênio, se eu achava que um dia veria ex-ministros e dirigentes do partido no poder sendo condenados por corrupção, minha resposta seria negativa. Também apostaria que jamais assistiria a grandes empreiteiros sendo presos. Teria perdido dinheiro.

Contar com uma Justiça que não se dobra em demasia ao poder político e econômico de suspeitos e réus é um dos traços que distingue países desenvolvidos de Estados mais bananeiros. É importante, porém, que os eventos como os que eu acabei de descrever sejam fruto de uma cultura institucional disseminada e não apenas de uma conjunção mais ou menos fortuita de policiais, promotores e magistrados acima da média.

É nesse contexto que o fatiamento pode revelar-se uma oportunidade. Operadores do direito que receberem agora algum braço da Lava Jato não terão muito como escapar a uma comparação com o juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba. Imagino que farão tudo para não aparecer na foto como procrastinadores ou mesmo pizzaiolos. Se isso de fato ocorrer, uma pequena e benfazeja revolução cultural terá se espalhado pelo normalmente fossilizado Judiciário brasileiro.

Uma vez que os prejuízos à operação, embora potencialmente graves, não são incontornáveis, penso que vale a pena tentar. A medida, de resto, ajuda a afastar a narrativa paranoica segundo a qual tudo não passa de uma perseguição das elites contra o governo amigo dos pobres.


22 de set. de 2015

Trecho do capítulo "O indivíduo sitiado", de "Vida líquida"




Um aforismo meu -- que me foi inspirado pelo filme "Para Roma, com amor", de Woody Allen, e que era uma reflexão sobre a (boa) crise de referências na modernidade -- dizia: "a celebridade é a nova autoridade". Hoje descobri que não estava sendo original. De certa forma, Bauman* já tinha dito o mesmo... e muito mais. 
  


Como insinuou recentemente Dany-Robert Dufour, todas as "grandes referências" do passado ainda estão disponíveis para uso nos dias de hoje, mas nenhuma delas tem suficiente autoridade sobre as demais para se impor às pessoas em busca de referência. Confusos e perdidos entre muitas reivindicações de autoridades concorrentes, sem que haja uma voz suficientemente alta ou audível que se destaque da cacofonia e forneça um motivo condutor, os habitantes de um mundo líquido-moderno não encontram, não importa o quanto se esforcem, um "porta-voz confiável" (um que "sustente para nós o que não conseguimos sustentar quando deixados por nossa própria conta" e que "nos assegure, diante do caos, uma certa permanência -- de origens, propósito e ordem"). Em vez disso, eles têm de aceitar substitutos notoriamente não-confiáveis. Tentadoras ofertas alternativas de autoridade - notoriedade em lugar de regulação normativa, celebridades efêmeras e ídolos por um dia, e assuntos do momento igualmente voláteis extraídos das sombras e do silêncio por um holofote ou microfone nas mãos de um repórter de TV, e que se desvanecem da ribalta e das manchetes à velocidade de um raio -- servem de sinalizadores móveis num mundo desprovido dos permanentes.


*Bauman, Zygmunt. Vida líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros -- Rio  de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 45.